Em 06/08/2018
No entanto, considerando as recentes e diversas alterações procedimentais promovidas pelo Provimento 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça e pela Lei 13.465/2017, faz-se necessário um constante estudo crítico sobre a usucapião extrajudicial, com o intuito de fomentar o debate entre os entusiastas do mercado e do Direito Imobiliário
Já não é mais novidade que o novo CPC disciplinou e procedimentalizou, em parte, a possibilidade de uma determinada pessoa adquirir a propriedade de um imóvel diretamente e perante o Cartório de Registro de Imóveis (CRI), o que viabilizou e assegurou um procedimento mais célere. No entanto, considerando as recentes e diversas alterações procedimentais promovidas pelo Provimento 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça e pela Lei 13.465/2017, faz-se necessário um constante estudo crítico sobre a usucapião extrajudicial, com o intuito de fomentar o debate entre os entusiastas do mercado e do Direito Imobiliário.
A princípio, destaca-se a potencialidade e a legitimidade das serventias extrajudiciais, cuja prestação de serviço contribuirá para a satisfação dos interesses e conflitos hodiernos1, de maneira a evitar o aumento da sobrecarga do Judiciário; com cada vez menos recursos (físico, pessoal e financeiro), os tribunais encontram-se sobrecarregados e sem perspectivas de encontrar uma saída para a sobrecarga processual. Os jurisdicionados, por sua vez, estão cada vez mais desacreditados com a lentidão processual2. A busca pela celeridade na satisfação dos interesses das pessoas fez com que a desjudicialização do Direito se destacasse, propagando, dessa maneira, as serventias cartorárias (imobiliárias).
A usucapião extrajudicial, destarte, foi disciplinada, inicialmente, no artigo 1.071 do (novo) Código de Processo Civil, que acrescentou o texto do artigo 216-A na Lei de Registros Públicos. Porém, ainda faltava uma norma (procedimental) que garantisse a conclusão efetiva da usucapião3. Sendo assim, entrou em vigor a Lei 13.465/17, que introduziu importantes alterações no artigo 216-A da Lei de Registros Públicos. Posteriormente, o Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento 65 em 14/12/2017.
A competência para o processamento da usucapião extrajudicial é do Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição imobiliária onde se situar o imóvel usucapiendo, independentemente de o imóvel encontrar-se matriculado ou transcrito. Na eventualidade de o imóvel estar localizado em dois ou mais municípios diferentes, deve-se processar no local onde estiver a maior parte dele.
Logo, identificado o imóvel usucapiendo, poderá o possuidor, através de advogado ou defensor público, protocolar uma petição (inicial)4 no Cartório de Registro de Imóveis, cujos documentos indispensáveis estão dispostos nos artigos 3º e 4º do Provimento 65. Entretanto, antes de se instrumentalizar a pretensão perante o CRI, deve o requerente providenciar alguns outros importantes documentos, o que vai diferir este procedimento do judicial.
A princípio, então, o possuidor do imóvel deverá, independentemente da presença de advogado ou defensor público, protocolar um requerimento no Cartório de Notas do município em que estiver localizado o imóvel5, de maneira a solicitar que o titular daquela serventia lavre uma ata notarial, atestando a descrição do imóvel, o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores (acessio possessionis), a forma de aquisição da posse, a modalidade de usucapião pretendida, o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva, a localização, o valor do imóvel, entre outras informações que o notário julgar necessárias.
Posteriormente, a parte deverá providenciar o memorial descritivo e a planta de situação do imóvel assinados por profissional legalmente habilitado6 e pelo (atual) proprietário do imóvel objeto do usucapião e dos proprietários dos imóveis confrontantes7. Contudo, na falta da anuência daqueles titulares, o registrador deverá notificá-los, pessoalmente ou por correio com aviso de recebimento, para consentirem com a usucapião; seu silêncio importará concordância.
Registra-se, outrossim, que se dispensa o consentimento expresso e a tentativa de buscá-lo caso o requerente apresente o “justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo” (artigo 13 do Provimento 65 do CNJ).
Ainda, o registrador deverá dar ciência à União, ao estado, ao Distrito Federal e ao município sobre o procedimento de usucapião, “pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento” (artigo 216-A, parágrafo 3º, da Lei 6.015 73). Também, acrescente-se que o registrador deverá promover a publicação de edital (parágrafo 4º).
Observados os demais documentos, não menos importantes, exigidos no artigo 4º do Provimento 65 do CNJ, o procurador da parte requerente deverá, nos termos do artigo 319 do CPC, expor e fundamentar (causa de pedir) os pedidos, relatando como se deu o início da posse e o modo de aquisição, bem como eventuais cessões de direitos possessórios, qualificando os cedentes e mencionando a data de cada cessão. Por fim, deverá pedir a procedência da usucapião, com a declaração de propriedade em favor do possuidor-requerente e o consequente registro da aquisição da propriedade na matrícula do imóvel, ou na matrícula que for aberta.
Protocolada a petição (inicial), o oficial do registro de imóveis, através de seus colaboradores, assim como determina o CPC nos “atos do escrivão” — artigo 206 e seguintes do CPC —, autuará, numerará e rubricará os autos. De conseguinte, aquele oficial, na qualidade de “juiz extrajudicial”, analisará os pressupostos de admissibilidade da petição (inicial), podendo, inclusive, emitir uma nota de devolução, apontando os itens a serem corrigidos pelo requerente. Noutras palavras, poderá o registrador solicitar que o requerente emende a sua petição, corrigindo irregularidades (sanáveis).
Em razão da consensualidade (não litigiosidade) que assola as atividades (extrajudiciais) cartorárias, ocorrendo impugnação do pedido de reconhecimento da usucapião extrajudicial, o registrador tentará promover a conciliação ou a mediação entre as partes. Sendo infrutífera a tentativa de conciliação/mediação, este lavrará um relatório de todo o processo e entregará para a parte requerente, a qual poderá aproveitá-lo e distribuir perante o juízo competente. Ou seja, tornar-se-á judicial o procedimento da usucapião.
Na qualidade de decisor, poderá o registrador rejeitar (indeferir), fundamentadamente, a pretensão do requerente, cuja decisão poderá ser impugnada perante o próprio oficial. Mantida a decisão, o requerente, da mesma maneira exposta acima, poderá judicializar a usucapião.
Por fim, constata-se que as inovações da “desjudicialização” da usucapião, em sua nova modalidade (extrajudicial), não afeta a sua natureza jurídica e sua classificação como forma de aquisição originária da propriedade.
Tendo em vista os aspectos observados, é evidente que a usucapião extrajudicial foi instituída para tornar célere um procedimento extremamente moroso, atribuindo ao tabelião e ao oficial de registro de imóveis ferramentas para concretizar o direito de propriedade dos usucapientes. Percebe-se que o seu início, como de qualquer “novidade jurídica”, é lento e cercado de grande desconfiança, porém dentro de algum tempo a modalidade extrajudicial se tornará tão corriqueira quanto a judicial, como foi no caso do divórcio e do inventário extrajudicial.
Antonio Carlos de Paula - AC DE PAULA-ADVOCACIA Todos os direitos reservados.
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